Este projeto nasceu de um Caderno de Sonhos, cultivado desde 2017.
Guardá-lo só para mim tornou-se insuportável.
Assim, cada desconexão, cada entrega, cada fato consumado, cada interrogação…
Agora é também seu.
Porque a interpretação que você dará a estas linhas é tão essencial quanto o próprio sonho.
MALAS
Indo te visitar…
Verde se estende pelo caminho, cheiro de mato, escuridão.
Medo sutil do ladrão, sombra que acompanha.
Dentro de casa, um bebê chora;
O pai se embriaga, rejeita a criança.
“Vou te defender”, penso.
Mas ele avança, eu recuo.
Espero, escondida, até que o dia rasgue a noite.
Parto… Deixo você…
Levo minha pequena mala…
Esqueci algo?
Pai? Mãe?
E minhas malas?
Silêncio.
“É tudo, minha filha.”
COELHO
Coelho ou esquilo?
Atirei friamente.
O sangue correu pela grama verde.
A competição terminou.
E eu?
Chorei…
RESSURREIÇÃO
O amigo volta pra morrer junto.
Amigo que é amigo… morre junto.
Morre junto a cerveja, morre o samba.
O pandeiro não toca na sua mão.
Do outro lado da cidade, um amante diz: “amo-te”.
Repete: “amo-te”.
Ela devolve o silêncio.
CURIOSIDADE E DESENCONTRO
Ela era muito curiosa...
Um filme de suspense se desenrola nas paredes daquela igreja inglesa.
O tempo escorre devagar, e ela se aventura pela cidade.
Eu espero... sei que ela voltará a tempo.
Do lado de fora, um convite surge...
Eu rio, recuso, uma armadura bem-humorada.
Fantasmas de amores sem fala, sem resposta.
Mensagens perdidas, perfis mudados...
Bloqueios que são escudos, fugas sem rumo.
Ela voltou no momento exato...
Como o desencontro é certo...
MAR BRAVO NA ESPANHA
Um mar bravo no norte da Espanha...
Tempestades, ondas gigantes...
Uma família está na sua casa... ou barco?
A mãe grita, vozes se atropelam, luta pela sobrevivência.
As águas invadem, misturam-se ao medo e ao desespero.
Enquanto isso, alguém envia fotos sensuais para o namorado.
Vida e tempestade dançam juntas, caóticas, indecifráveis.
TIROTEIO
No meio do tiroteio, eu rio, riso que corta a loucura, leve, absurdo.
Na sala ao lado, herança em disputa;
eu colho minha parte e sigo flutuando.
À beira-mar, a filha chora no colo da mãe.
Segredos sussurram entre o vento e as ondas.
PAGAS O FUNERAL?
Precisas de dinheiro?
Pago o funeral.
Quanto custa o vazio?
A madeira é boa?
No fim, tudo arde.
PLÁSTICA
Perseguição.
Eu me escondo entre escombros.
No hotel contigo, penso apenas: quando será a próxima vez?
No quarto ao lado, um silicone malfeito.
"Já não te quero."
Ela calcula a próxima plástica.
CERVEJA
Vocês estão bem?
Rimos com a cerveja, brindamos ao passado que não pesa.
Vocês rumam para o além.
E eu?
Nem sei onde estou.
QUANDO OS IRMÃOS MORREM
Te enterrei.
Agora estou em casa.
Família?
O telefone toca, outro irmão morre.
Família?
O AVÔ
O mar se revolta, gaivotas rasgam a névoa.
Na casa, os pais discutem.
Ela se agarra à mãe em pranto,
os irmãos se misturam na tristeza.
A violência paira.
No meio do tumulto, o avô aparece,
sereno,
como um farol em noite fechada.
CAIXÃO
A água invade a casa, um estrondo:
explosão ou delírio?
Uma criança fica para trás.
Estendo as mãos… o tempo me escapa.
Do outro lado, um caixão é levado,
madeira, cinzas, urna, funeral.
Risos invadem o luto,
enquanto uma cadeira de rodas carrega o irmão que fica.
Eu choro…
pelo que se foi
e pelo que não pude salvar.
GRAMADO
O gramado se estende,
os cães giram em círculos… de pura inocência.
Na culpa, ela tenta reparar o passado:
o café, o leite, a casa…
“Sou egoísta”, sussurra o pensamento.
As palavras do pai ecoam.
A mãe envolve-a num abraço:
“Está tudo bem, filha…”
CEMITÉRIO
O cemitério brilha de sol,
e ela estende a pele como se fosse praia.
“Que festa animada!”,
ri no silêncio das lápides.
À noite, ela brinca com um cão,
ou talvez um urso,
talvez um leão.
Enquanto o lago respira calmo.
No táxi, um velho desliza o olhar,
ela escapa.
Cruza com um ladrão,
e ainda assim caminha
com a confiança de quem sonha.
FESTA
O furacão chega,
os empurra para o abrigo:
pai, mãe, filha.
A água arrebenta portas.
Do outro lado, os irmãos dançam em festa.
A irmã, tragada pelo abismo, grita:
“Por que não me convidaram?”
